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37 - DEUS AFIRMA QUE A VIDA É ESTE SONHO

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    O tempo avançava, lentamente, e tudo parecia confuso e diferente. Em cada sonho de Carlota reavivavam-se imagens de outros sonhos com vigor inusitado, preenchendo os trilhos da alma, confundido a memória dos acontecimentos reais. Cada sonho acontecia-lhe mais intenso do que o anterior. Ela virou-se e jurou ver Eduardo, mas isso era impossível. Fechou os olhos para recordar o seu rosto e beijou-o apaixonadamente. Teria ficado louca ao ter permanecido tanto tempo enclausurada no quarto? Apenas queria poder voltar de novo a passear de mãos dadas com o marido ao longo das margens do rio, molhar os pés, sentir que a vida fazia algum sentido, mas nada fazia sentido naquela guerra. O significado das coisas, os sabores, os cheiros, as sensações, tudo ficou danificado para sempre. Os mortos deixaram as palavras por dizer, os campos e as crenças dos sobreviventes ficaram estéreis, assim como o sentido de justiça. Tudo se alterou desde que os sonhos deixaram de poder nascer naquela

36 - ATÉ A FELICIDADE PODE SER FELIZ

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Uma estrela brilhava no teto do quarto branco mais do que qualquer outra. Os astros foram ali colocados às dezenas por um mestre estucador para replicarem o firmamento. Os silvos das balas ainda eram audíveis e iam vencendo os intervalados silêncios. Os grandes olhos de Carlota olhavam para cima de cada vez que os escutava, miravam as constelações para relativizar a angústia. Ela tinha de ser capaz de sair daquele quarto onde se refugiara. Uma estrela, tal como uma casa, não fala, apesar do seu brilho fazer acreditar no contrário. A magnífica luminosidade matinal encheu o quarto de tranquilidade e paz, aqueceu-o onde antes o frio reinava, presenteando Carlota com uma mensagem que ela acreditava ter chegado do campo de batalha. – A guerra queima os olhos e devasta o coração dos homens destruindo-lhes a alma e a esperança. O calor entrava pela porta dizendo-lhe que tinha chegado a hora de sair daquele isolamento. O rio convocava-a, os dias cresciam, e acreditar no futuro ai

35 - O SONHO ERA AQUELE LUGAR ONDE SE SENTIA BEM

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O inferno era não ter notícia alguma do que por lá se passava, e a mente continuava a pregar-lhe partidas com o único propósito de a sossegar. O quarto branco começava a derreter para deixar antever a realidade. O espírito de Carlota esvaziou-se ao ponto de ela ter deixado de acreditar, e os sonhos transformaram-se numa espécie de prisão obscura e claustrofóbica de onde Matsuba resolvera escapar, mesmo sabendo que só ele seria capaz de devolver-lhe a esperança. Primeiro desapareceram todas as janelas do edifício, depois as portas, os telhados e as paredes derreteram lentamente. Os alicerces da mansão esboroaram-se e só ficou o terreno onde cresceram ervas daninhas, silvas e muito mato bravio. O tempo voltou atrás a uma época onde os animais e a natureza se entretinham a ser animais e natureza, e os homens ainda não eram. Carlota apreciou viajar até esse passado longínquo onde o lago permanecia gelado meses inteiros e a neve pintava de branco a paisagem. Um manto de nevoe

34 - PENSO EM TI, E NADA MAIS IMPORTA

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Matsuba tinha regressado às águas vermelhas do rio para proteger os sonhos de Carlota. Espírito do rio continuava a nadar com o anzol do avô Tomé cravado na boca. Foi ele o pescador que mais perto esteve de o fazer sentir o sabor amargo da derrota. Quando a pescaria estava perto do seu final, a carpa brilhou como se fosse de ouro, naquelas águas de prata, e Carlota ficou desconsolada com o possível desfecho do combate entre o avô e o peixe maravilhoso. A menina experimentou um horror desconhecido, um abismo a abrir-se dentro dela, e vomitou. As nuvens ficaram mais leves e arredondadas. Matsuba atravessou o céu escuro e carregado que vestia o dia da batalha para ajudar Eduardo Damião. - Talvez nada disto seja verdade! – pensou o alferes ao ver o céu mudar de cor. Os olhos ardiam-lhe e ele não compreendia porque ainda estava vivo. – Talvez nada disto seja verdade! – repetia – Talvez…, não importa… mas a ser verdade, os homens aprenderam hoje uma enorme lição. Erg