31 - DE REGRESSO A CASA
As mãos cansadas e ensanguentadas de Eduardo
uniram-se em orações durante a fuga quase desenfreada. Orou, chorou e bradou
enquanto corria, com o mundo inteiro a desfazer-se, senhor de uma fé e de uma
esperança que ele próprio desconhecia.
- Estou de regresso a casa! - repetia Damião, vezes
sem conta – Estou de regresso a casa, e eis que ali vislumbro a porta do nosso
quarto, branca, tão branca e luminosa como o seu interior. Estou de regresso a
casa, estou de volta ao dia em que Carlota me mostrou a nossa casa quando ainda
era uma imensa ruína. Vejo as escadas do sótão onde nos refugiámos, corro a
subir até àquela divisão ímpar onde nenhum mal nos pode acontecer.
Era praticamente impossível um soldado conseguir
sair com vida daquele inferno, e o número de portugueses que tentaram encontrar
a salvação diminuía a cada instante que passava. Seguiam as passadas uns dos
outros, e oravam, choravam e bradavam, e morriam, pois a morte continuava a
chegar, implacável, e Damião sempre ali tão perto, o sangue a agitar-se nas
veias, e seguia a corrida com a surdez a instalar-se, e ele deixou de ser capaz
de raciocinar, mas sabia que ainda não estava preparado para morrer.
As bombas e os obuses que riscaram os céus
transformaram-se em gigantescas carpas voadoras. Os peixes imensos abriram as
bocas para cuspirem um fogo intermitente em todas as direções, até que nuvens muito
brancas os atraíram, juntamente com um engodo misterioso que lhes alterou o rumo,
e os desviaram mais para norte.
Damião sabia que os seus homens tinham passado os últimos
três dias quase sem dormir, e que lhes tinha sido impossível travar o avanço das
tropas alemãs, e foi por essa altura que um anzol desmesurado desceu por detrás
de uma das nuvens. Eduardo e José Castanheira aproveitaram o surpreendente acontecimento
para avisarem os que ainda os conseguiam escutar e todos os que ainda conseguiam
correr. Ali, naquele quarto, o chão não era macio nem branco, e não estava iluminado.
Ali, naquele quarto, não havia nenhuma porta ou janela por onde pudessem fugir ou
saltar, mas os soldados agradeceram a ajuda providencial do objeto metálico que
destroçou tanques inimigos e desbaratou, durante alguns minutos, os batalhões inimigos
e as intenções do general teutónico que mal acreditava no que ali se estava a passar.
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