18 - O MEU PAR JÁ EU SEI QUEM É




A velha moradia dominava a paisagem daquele lado do rio. Os últimos anos deixaram a habitação muito degradada, apesar desta ter conseguido manter incólume a sua nobreza . A vegetação cresceu, sem regras, ao seu redor, e começou a tomar conta de algumas das paredes do edifício.
- Um dia vou ser a dona desta casa! – afirmou Ana Carlota, com grande convicção.
Muitas foram as histórias bizarras que começaram a ser contadas acerca daquele património, e havia até quem dissesse que a casa era habitada por fantasmas e almas do outro mundo. Os espíritos mantinham os curiosos à distância, mas nunca conseguiram espantar Carlota, que regressava ali sempre que conseguia.
Eduardo Damião guardava respeito por esses temas, apesar de não acreditar em fantasmas ou energias ocultas. Ele sabia que não era por acaso que os habitantes da vila e das aldeias da região evitavam falar nesses assuntos, e não gostavam nada que lhes perguntassem coisas acerca do grande palacete abandonado. De quando em vez, e sem aviso nenhum, a casa ficava iluminada e podiam-se distinguir vultos e silhuetas projetadas nas paredes interiores da habitação. Gente incógnita passeava pelas salas e quartos, mas esse raro fenómeno não acontece há muitos anos. Eduardo nunca assistiu a tal coisa, e julga que esse mito foi criado para dar publicidade e trazer alguma visibilidade àquela província do interior.
Lugares assim, com histórias misteriosas ou fantásticas, são muitíssimo interessantes e normalmente ajudam a espicaçar a curiosidade das pessoas. A casa ganhou uma fama tão grande que começou a atrair  forasteiros e até alguns turistas. Com o passar dos anos, mais histórias foram acrescentadas às primeiras, com contornos cada vez mais macabros. Houve uma altura em que já ninguém sabia qual das histórias era verdadeira, e qual era fruto da imaginação delirante dos seus narradores.
- Tu sabes as histórias que as pessoas costumam contar acerca desta casa, não sabes? – perguntou Eduardo Damião, enquanto desligava o motor do barco junto à margem do rio.
Ana Carlota não respondeu. Olhou para o olhar sério do rapaz e soltou uma pequena gargalhada. Eduardo Damião pensou que ela talvez fosse maluquinha por ter reagido assim.
- Pois! Já percebi que não acreditas em histórias de fantasmas. Eu também não, só que as respeito, ao contrário de ti.
As sobrancelhas de Ana Carlota elevaram-se até formar um arco perfeito sobre os seus olhos grandes e redondos. Ela parou de rir, e apontou para a moradia com o dedo indicador da mão esquerda .
- Um dia vou ser a dona daquela mansão! Acredita no que te digo, e a primeira coisa que farei é transformar o sótão num quarto enorme e maravilhoso, o mais belo que jamais existiu. Não duvides, acredita no que eu te digo. Tenho a certeza absoluta que é isso que vai acontecer.
Os dois saíram da embarcação e dirigiram-se até à entrada da propriedade. Aquela seria a oitava vez que Ana Carlota ali se deslocava, e a sua última visita ainda estava bem fresca na memória.
- Sabes dançar, Eduardo? Pensa bem antes de me responderes, não te precipites. É importante que me respondas com franqueza.
Ele decidiu responder-lhe com uma pergunta igualmente absurda.
- Tu tens medo de sonhar? Pensa bem antes de me dares a tua resposta, não quero que te precipites. É importante que me respondas com toda a franqueza.
Ana Carlota ficou felicíssima com as palavras de Eduardo Damião, ficou tão contente que ali mesmo o abraçou e o beijou. O espanto do rapaz foi tão grande, que os dois quase caíram à água.
- Tu não regulas da cabeça! Olha só o que nos ia acontecendo. Por pouco não caímos ao rio.
Ela estava muito contente, e incapaz de conter a felicidade que sentia, voltou a abraçá-lo e a beijá-lo como se não existisse um amanhã.
- Nada disto existe, Eduardo, esta casa é uma mentira e todas as histórias que contam acerca dela são falsas e foram criadas para nos assustar.
A lancha ficou bem presa ao pequeno pontão que ali existia. O rio estava tranquilo, as cores ficaram mais esbatidas e pálidas à medida que os dois se foram aproximando da mansão. Ana Carlota largou a mão de Eduardo, correu até ao pequeno portão de ferro e saltou para o interior da propriedade atravessando o jardim que agora era um mato, uma quase selva intransponível. Colou o rosto às vidraças sujas e enegrecidas pelo tempo. O aspeto geral da quase ruína era triste e nostálgico. Eduardo seguiu-a, chegou pouco depois, e exclamou:
- Uau!!! Se observarmos com atenção todos os pormenores do palacete, torna-se fácil acreditarmos nas histórias que contaram a seu respeito.
- Anda, Eduardo, vem comigo. Ensina-me a dançar. Sempre quis aprender a valsar, e quem melhor do que tu para me ensinar…


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