19 - AQUI SINTO-ME SEGURA
Ana Carlota imaginou-se a dona da mansão.
Devolver-lhe a nobreza e a grandiosidade de outrora
seria a sua principal tarefa. Como foi possível terem deixado chegar a casa
àquele estado? Mas isso agora eram histórias do passado. As obras arrancariam
num dia chuvoso, o mais perfeito de todos, tão de acordo com os gostos da nova
proprietária do imóvel, que assim sempre o sonhara.
O arquiteto e o empreiteiro estavam de acordo. As
obras de restauro demorariam entre catorze a dezasseis meses, mas a duração dos
trabalhos era o que menos importava. O grande sonho de Carlota ia ser
concretizado, e já não faltava muito para que ela pudesse usufruir da vista
esplendorosa do seu novo quarto, no topo da habitação.
- Em que é que estás a pensar? – perguntou-lhe
Eduardo Damião, ao sentir Carlota tão ausente. O corpo dela estava ali, mas o seu
juízo tinha voado para outra direção, para um tempo e um espaço que só ela
conhecia. Isto acontecia-lhe de todas as vezes que pousava os pés naquela terra,
e a grande vivenda transformava-se através das suas ideias, e com as cores que
ela idealizava. A enorme mansão aparecia-lhe à frente completamente restaurada,
imaculada, perfeita, achava-se nova e pronta a ser habitada.
- Anda Eduardo, vem comigo. Vou mostrar-te o meu
quarto no sótão, todas as salas, o novo escritório e oficina do avô Tomé, a
grande lareira de mármore do salão de baile, as cozinhas, as varandas, o pátio
que agora é um belo claustro ajardinado, os anexos, os jardins, anda, vem
comigo. Vou mostrar-te esta casa como nunca a viste, através dos meus olhos.
Esta vai ser, um dia, a minha casa, acredita no que te digo.
O rapaz estava a ficar confuso
Ana Carlota era a rapariga mais imprevisível que
alguma vez conhecera. A cada novo instante, as expressões do seu rosto
comunicavam sentimentos antagónicos, que iam da serenidade ao deslumbramento,
da melancolia ao júbilo, da frieza à paixão, da segurança ao desassossego, e
com uma facilidade desconcertante.
- Tu nunca paras, pois não, ou é só hoje que estás assim
por terem roubado o barco do teu avô?
Carlota já não o escutava. Recordava a bela festa da
noite anterior, o baile e os convidados vestidos a rigor e a orquestra faustosa
que ali tinha estado a tocar. Essas recordações, essas imagens, eram bem verdadeiras,
tão quentes, tão vivas, que até queimavam. As histórias daquela casa começavam a
tomar conta da cabeça de Carlota. Era só ali que ela se sentia segura, naquele lugar
no topo da habitação, ali, mais do que em qualquer outro lugar.
- Anda, Eduardo, corre, vem ver o meu quarto. Sobe as
escadas, não tenhas medo, estou cá em cima no sótão, junto ao torreão.
Alguma coisa dizia ao rapaz que era melhor voltarem para
trás e regressarem à margem do rio de onde tinham partido. Ele hesitou, vagueou
um pouco pela casa, reconsiderou, e achou que o melhor que tinha a fazer era subir
e ir ter com Carlota. Não lhe parecia bem deixar a rapariga ficar ali sozinha naquela
mansão abandonada.
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